Memórias afetivas
Ao professor William

Algumas histórias para contar. E quantas outras, outros terão? Revirando o baú da memória, dum tempo em que era nosso mestre o professor William Terency Donnelly, lembramo-nos de momentos, alguns até engraçados. De quando nos dizia que, se pudesse, afundaria certos cantores brasileiros com uma corrente no fundo do mar, para que não corresse o risco de eles voltarem. Ríamos e não levávamos a sério, mesmo sabendo que era assim que pensava. Afinal, os tais dos cantores eram nossos ídolos, mas por que brigarmos por eles? Melhor seria preservar o professor que, apaixonado por tudo com que se envolvia, estava mais próximo de nós. Por isso, só discordávamos e ríamos!

Da crítica que fazia à revista Speak up, um luxo para a época, que me permitia por meio de assinatura, de que não passava de uma pronúncia horrível. Não valia a pena! Mais uma vez, ouvíamos, mas diante das dificuldades, do acesso difícil a tudo, continuávamos a, pelo menos, aprender a música do mês. Música, aliás, era um tema constante. Um de seus preferidos? Louis Armstrong (What a Wonderful World) e que ele nos perdoe se a memória nos traiu! Para agradar à turma que solicitava o aprendizado de algumas delas, fez-nos cantar, aprender a letra e até trabalharmos em sala de aula, os já professores, embora ainda licenciandos, que alguns de nós éramos. A música de que me lembro com nitidez e que marcou aquele semestre, numa turma que não era a minha, mas que me acolheu, foi Goodbye (Air Suply): “I can see the pain living in your eyes...” Ainda me emociono quando a escuto! Era tanta juventude, ilusões, fantasias, felicidades pelo amanhã que se avizinhava! Nesse momento mesmo, nos emocionamos com os primeiros sons da música encontrada na “Santa Internet” e nos lembramos daquele tempo! De casais de namorados, de jovens futuros professores, de um professor cheio de paixão por tudo a sua volta.

Assumimos o saudosismo, pois foi no passado, principalmente, que ele fez parte de nossas vidas. Lembramo-nos de suas conjugações dos verbos irregulares, que sua gramática própria parece nunca ter incorporado, como quer a gramática normativa da língua portuguesa. Quando o alertávamos para o fato, simplesmente, sem pudor, nos respondia que seu jeito de falar era o charme de quem não tinha o português como sua primeira língua. Não se esforçava, portanto, com os tais dos verbos ou com outras peculiaridades de nossa língua. Perdoávamos sempre, divertidos, mesmo numa época em que, no nosso curso, nem se falava de variação linguística.

Era também apaziguador, num momento em que me irritei e escrevi um texto contra um professor com quem me desentendi. Não sugeriu pedidos de desculpas, mas justificou o colega e pediu compreensão. No calor das emoções da juventude, porém, nem sempre era fácil perdoar.

Hoje, quando elaboro este texto, já me despedi. Que me perdoe o mau jeito, mas escrevo para dizer o quanto o Bill, como era carinhosamente tratado, foi importante em nossas vidas, fazendo o possível para melhor dominarmos a segunda língua que aprendíamos, apesar de toda a carência, de falta de equipamentos adequados, de acesso a livros, que compensava com a produção de material para suas disciplinas. Por termo-lo como professor, é que aprendemos a gostar tanto de aprender a língua inglesa, mesmo que não quiséssemos (e não queríamos mesmo!) nos tornarmos professoras dessa língua. Enfim, são muitas histórias, das quais participamos e outras que nos chegaram de alguma forma. Essas, porém, contem outros. Que algumas das nossas compartilhamos aqui.

Limoeiro do Norte, 30 de janeiro de 2015

Kátia Cristina Cavalcante de Oliveira, ex-aluna