Por Claudemir Martins Cosme[1]
Professor do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) – Campus Piranhas
claudemirmartins@yahoo.com.br
           
De 16 a 22 de agosto de 2015, cursei, como aluno de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco, a disciplina “Espaço, Poder e Política no Mundo Agrário”, ministrada pelo Prof. Cláudio Ubiratan Gonçalves. Uma oportunidade ímpar pelos seguintes motivos, que pretendo entrelaça-los nestes escritos: a) permitiu conhecer a luta e a resistência do Campesinato Quilombola pelo seu território, no município de Brejo Grande, Território do Baixo São Francisco, Estado de Sergipe e, b) possibilitou participar do III Encontro Nacional do Grupo de Pesquisa “Estado, Capital, Trabalho (GPECT), da Universidade Federal de Sergipe (UFS), com a temática “ As (ir)racionalidades do capital nos tempos e espaço da barbárie”, título que incentivou e que dá nome a esta breve nota.
            Na primeira parte da disciplina, foi possível conhecer de perto a resistência dos Quilombolas da comunidade de Brejão dos Negros, localizada acerca de 8 km da sede do município de Brejo Grande. Quatrocentas e dez famílias quilombolas ribeirinhas do Rio São Francisco, praticantes da agricultura e da pesca na foz do São Francisco, portanto com relações umbilicais com a terra e com a água, bravamente, travam uma luta, insubmissa e emancipatória, contra a sanha insaciável de uma meia dúzia de proprietários de terra, que só visam ao lucro a qualquer preço. No espaço agrário em questão, especialmente, nas comunidades quilombolas visitadas, água e petróleo estão presentes, o que aguça o espírito economicista dos capitalistas rentistas[2]. Sem nenhuma preocupação, estes arquitetam planos perversos para arrancar, de qualquer forma, as famílias quilombolas das terras. Famílias que há dezenas de anos, na condição de moradores de condição, meeiro, parceiros, entre outros, habitaram os engenhos que haviam na região e, simplesmente, na calada da noite se veem frente as tentativas de expulsarem-nas das suas terras ancestrais. Na busca pela existência e preservação de seus saberes, sua cultura, seu modo de vida, sua relação com a natureza, enfim, suas relações entre os homens, mulheres e crianças, diametralmente opostas às relações do mundo do capital, lutam e resistem, diuturnamente, na busca pela vida e, mais, por outra forma de viver e se relacionar com a natureza e com os outros[3].


Figura 01 – Momento na Comunidade Quilombola de Resina – Brejo Grande – SE. Foto: Claudemir Martins Cosme, Trabalho de campo, 2015.
  
            Face esta realidade aludida, a participação no III Encontro Nacional do Grupo de Pesquisa “Estado, Capital, Trabalho”, foi um momento singular para refletir acerca das inquietações suscitadas no momento de campo e, assim, buscar compreender a luta e resistência dos Quilombolas em tela. Um evento, onde a centralidade era refletir, como o próprio tema já explicitava, as barbáries e as irracionalidades do capital, a partir do pensamento e da obra do filósofo alemão Karl Marx. Destarte, através do seu método, o materialismo histórico e dialético, intelectuais de referência nas suas áreas de atuação, desde a Coordenadora do GPECT e do evento, a Profa. Alexandrina Luz Conceição, aos expositores das mesas, os professores Ricardo Luiz Coltro Antunes, com a temática “As (ir) racionalidades do capital nos tempos e espaço da barbárie”, Ivo Tonet, debatendo “Educação, ideologia e poder” e Ariovaldo Umbelino de Oliveira, discutindo “Reforma agrária: a luta pela terra e território nos tempos e espaços das (ir)racionalidades do capital”, deram uma mostra da atualidade e relevância do edifício teórico e filosófico deixado por Karl Marx, numa perspectiva de se compreender as contradições da sociedade neste início de século XXI e propor mudanças estruturais por meio da crítica radical. A presença do representante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) e da Profa. Raimunda Aurea de Souza, na mesa redonda intitulada: “Territórios ameaçados: conflitos e resistências”, bem como, o comparecimento de pesquisadores de diversas partes do país discutindo nos Grupos de Trabalhos e realizando intervenções nos debates, contribuíram em muito para aprofundar a reflexão e expor as contradições políticas da sociedade brasileira no momento atual[4].


Figura 02 – Conferência de abertura do Encontro proferida pelo Prof. Ricardo Antunes, UFS. Foto: Claudemir Martins Cosme, 2015.

Neste bojo, entrelaçando o momento de campo junto aos Quilombolas e a reflexão empreendida a partir do materialismo histórico e dialético durante o evento, é que a realidade vai sendo decifrada. Neste momento, foi possível entender a contradição da ação do Estado e dos diferentes governos no trato da questão agrária, especificamente, nos conflitos territoriais entre a classe camponesa e os proprietários capitalistas rentistas. Contradição que se acirra quando percebemos uma ação do Estado, através dos governos e do judiciário, direcionada a não ferir os interesses destes últimos, a exemplo do próprio conflito envolvendo os Quilombolas de Brejão dos Negros.
Mais do que nunca, na batalha das ideias que vivemos, seja na academia, na mídia e nas frações territoriais em disputas Brasil a fora, ficou evidente nas discussões do Encontro, que devemos sim atualizar e renovar sempre o pensamento do filósofo alemão, ao invés de secundarizar os seus escritos, como querem os ideólogos da manutenção do status quo. É preciso perceber o potencial da ocular do materialismo histórico e dialético para a leitura do desenvolvimento contraditório do capital, bem como, é mister encarar os desafios de interpretar as lutas e resistências de sujeitos sociais como os quilombolas sergipanos.  
Assim, para aqueles que querem enveredar por meio da crítica radical e fazer proposições de mudanças estruturais, consequentemente, de ruptura com as contradições da sociedade atual, o entendimento e a discussão de algumas categorias centrais da obra de Karl Marx é condição sine qua non para refletir sobre as contradições da sociedade neste início de século XXI. Sendo mais direto, se queremos enveredar através da crítica radical, é preciso ter em mente que categorias/conceitos como: classe social, trabalho, Estado, renda da terra, capital, modo de produção, revolução, devem estar, ou melhor, retornar para o centro das pesquisas e estudos sob pena, na ausência destes, de escamotearmos os processos que produzem e são produzidos no ato de construção das frações territoriais de resistências contra hegemônicas, levadas a cabo pelos diversos sujeitos sociais em luta contra as (ir) racionalidade e as barbáries cometidas pelo capital na sociedade contemporânea.

Referências

MARTINS, José de Souza. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 1981.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Modo capitalista de produção, agricultura e reforma agrária. São Paulo: FFLCH/Labur Edições, 2007.Disponívelem:. Acesso em: 30 ago. 2015.



[1] Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com mestrado sanduíche na Universidade Federal de Sergipe (UFS). Graduado em Licenciatura Plena em Geografia pela Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (FAFIDAM)/Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Graduado em Tecnólogo em Recursos Hídricos/Irrigação pelo Instituto Centro de Ensino Tecnológico (CENTEC). Pesquisador membro do Laboratório de Pesquisas e Estudos sobre o Espaço Agrário e Campesinato (LEPEC) e do Núcleo de Agroecologia, ambos do PPGEO/UFPE.
[2] Interpreto o desenvolvimento do capitalismo no Brasil a partir da leitura de Martins (1981, p. 177), quando afirma que “comprando a terra, para explorar ou vender, ou subordinando a produção do tipo camponês, o capital mostra-se fundamentalmente interessado na sujeição da renda da terra, que é a condição pra que possa sujeitar também o trabalho que se dá na terra”. Bem como, de Oliveira (2007, p. 57), que na mesma linha do referido autor, assevera que “[...] no modo capitalista de produção a terra, embora não tenha valor (pois não é produto do trabalho humano) tem um preço, e a sua compra dá ao proprietário o direito de cobrar da sociedade em geral a renda que ele pode vir a dar. Em uma palavra, ao comprar a terra compra-se o direito de auferir a renda da terra”.
[3] Desde meados de 2000, com apoio da Igreja Católica, os descendentes de escravos fugidos, dos cerca de 20 engenhos da região e que hoje formam a Comunidade de Brejão dos Negros, vem construindo sua história e sua identidade Quilombola, conquistando já em 2006 o certificado da Fundação Cultural Palmares. Não obstante, a luta é árdua contra a intimidação e a violência por parte dos latifundiários, bem como, contra os desmandos, a complacência e a omissão dos governantes e do judiciário, além do preconceito de parte dos habitantes da cidades e da própria comunidade. Para maiores informações sobre a luta dos quilombolas em questão acessar a reportagem “Brejão dos Negros: cercas cortadas mantêm conflitos”. Disponível em:<http://www.infonet.com.br/cidade/ler.asp?id=124165>. Acesso em: 30 ago. 2015. Também o documentário: "Brejão dos Negros - Memória e Identidade". Disponível em: . Acesso em 30 ago. 2015.
[4] O evento vem se consolidado no cenário nacional pela profundidade das discussões. A organização do mesmo se dá a partir de grupos de trabalhos, onde ocorre uma discussão coletiva dos trabalhos inscritos no evento, mesas redondas com abertura para o diálogo com os participantes. O Encontro ocorreu de 19 a 21 juntamente com o IX Fórum “Estado, capital, trabalho”, organizado pelo Grupo de Pesquisa Estado, Capital, Trabalho (GPECT), sob a Coordenação da Profa. Dra. Alexandrina Luz Conceição, na Universidade Federal de Sergipe. Para mais detalhes acessar o site: <https://engpect.wordpress.com>.